Você já questionou os dados sobre desemprego?
Outro dia me peguei fazendo contas e tive a sensação de que os números divulgados sobre as taxas de desemprego escondiam alguma coisa. Conheço tanta gente desempregada, recebo o contato de um sem-número de pessoas procurando desesperadamente por vagas de emprego, mas os índices atuais falam em “apenas” 11,8% de desempregados. O número absoluto passa pouco de 12 milhões de pessoas nesta situação. Não acho que seja pouca gente, longe disso, mas o Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes! 11,8% de 200 milhões deveria dar…
Pensei depois que era bobagem minha. Os dados de desemprego são divulgados por todos os grandes veículos de comunicação. Eles não iriam divulgar dados errados. Certamente haveria uma explicação lógica e eu estaria confundindo as coisas. Será?
Você pode achar que a curva crescente do desemprego é o que de pior pode haver nessa área. Você tem razão se pensar que 12,02 milhões de desempregados é um número suficientemente trágico. Você até já deve ter ouvido que em alguns setores a crise talvez não seja tão aguda. No entanto, é uma pena, a realidade mostra um cenário ainda mais negativo.
Nós temos o compromisso de entregar aos nossos leitores conteúdo de qualidade. E foi esse compromisso que nos levou a investigar mais profundamente os detalhes das pesquisas sobre os índices de desemprego. Garimpamos informações publicadas por analistas e órgãos de imprensa. E mergulhamos fundo nos dados disponíveis. Você quer fazer um estudo da anatomia dos índices de desemprego no Brasil?
Leia este artigo até o final para saber mais sobre:
• A evolução dos dados de desemprego
• A quantidade de pessoas sem trabalho que os dados não mostram
• A real dimensão da ineficiência laboral no Brasil
• A comparação com os dados internacionais
• Por que podemos afirmar que a crise no mercado de trabalho vai demorar a passar
• O que pode ter de positivo em tudo isso
Se você acha que este é um tema interessante, não deixe de compartilhar o artigo com seus amigos.
DADOS OFICIAIS DE EMPREGO E DESEMPREGO
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
O gráfico acima traz a informação que você está acostumado a ver nos telejornais. É a evolução mensal dos índices de desemprego no país, medida pelo IBGE. Conhecida como PNAD Contínua, a pesquisa colhe e distribui dados mensalmente em todo o Brasil e, trimestralmente, divulga um levantamento mais completo sobre “ocupação” e “desocupação” da “população em idade de trabalhar”. As aspas transcrevem os termos técnicos utilizados pelo IBGE. A sigla PNAD significa Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar. O site do IBGE traz detalhes mais técnicos sobre essa pesquisa. É interessante conhecer. Para isso, siga os links: PNAD Contínua Mensal e PNAD Contínua Trimestral.
Feitas as devidas apresentações, você precisa saber que as pesquisas sobre desemprego no Brasil passaram por uma série de revisões conceituais ao longo do tempo. Do ponto de vista estritamente metodológico, não seria correto comparar as pesquisas mais antigas com as atuais. No entanto, para se ter uma ideia dos grandes números, segue um gráfico com os dados garimpados de várias planilhas:
Observação: Consultado, o IBGE informou que “no ano em que foi realizado o Censo Demográfico 2010, não teve PNAD”.
Seja nos dados mais recentes, ou na comparação de mais de uma década, o desemprego no Brasil está em níveis absurdamente altos.
Essa constatação, aqui expressa em números, é um dos tantos motivos que despertaram recentemente a indignação na população, que foi às ruas do país exigindo mudanças. O sentimento de revolta das pessoas, no entanto, seria ainda maior, se tivessem consciência do que mostraremos nos dados abaixo.
QUAL É O TAMANHO DA POPULAÇÃO E QUEM SÃO OS BRASILEIROS QUE, SIMPLESMENTE, NÃO TRABALHAM
No instante em que este artigo está sendo atualizado, em novembro de 2016, a população brasileira é estimada em 206.730.484 habitantes. No link a seguir, você pode visitar uma página oficial que faz uma nova estimativa a cada 20 segundos: Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação.
No entanto, para entender as razões do nosso estranhamento em relação aos números, relatado no início do artigo, precisaremos dos dados disponíveis da última pesquisa completa divulgada pelo IBGE. Esses dados são alguns dos publicados na última PNAD contínua, referentes ao trimestre encerrado em setembro de 2016:
Fonte: IBGE – PNADc – Trimestral – jul / set 2016
No primeiro trimestre de 2016 a população brasileira era pouco menor que 206 milhões de habitantes. Quase 20% desse total era formada por crianças até 13 anos, inclusive. Conforme critérios internacionais utilizados em pesquisas de desemprego, todas as pessoas com “idade de 14 anos ou acima” são incorporadas ao conceito de “pessoas em idade de trabalhar”. Este contingente é formado por mais de 80% da população.
Entretanto, para ser considerado no conceito de “Força de Trabalho”, o indivíduo deve ser classificado como “ocupado” ou “desocupado”. E o que isso significa?
O indivíduo que não estiver enquadrado em nenhum desses casos está fora da força de trabalho. Como visto na Tabela 1 acima, esse grupo soma incríveis 64,6 milhões de brasileiros. Mas devemos fazer algumas considerações, pois este grupo contém pessoas que não trabalham e não há nada de inadequado nisso. Por exemplo, os casos dos estudantes e aposentados.
Há grande dificuldade em se calcular o número exato de pessoas que só estudam e os aposentados que efetivamente estão fora da força de trabalho – pois essas pessoas se distribuem (não igualitariamente) em todas as faixas etárias. Entretanto, dados oficiais complementares nos permitem estimar esses números com alto nível de confiabilidade. Chamaremos esse contingente de Força de Trabalho Intempestiva – pois é formada por pessoas que já foram ou ainda serão participantes da força de trabalho.
Pelo resultados dos cálculos, estima-se um contingente de mais de 36 milhões de pessoas fora da força de trabalho, que não estudam e não estão aposentados. Neste grupo podem estar alguns casos específicos de afastados pelo INSS, donas de casa, ou os famosos “nem-nem” – aqueles que nem estudam e nem trabalham. Abaixo, a tabela completa:
Fonte: IBGE – PNADc – Trimestral – jul / set 2016
Inclui considerações nossas
A REAL DIMENSÃO DA INEFICIÊNCIA NO BRASIL
O gráfico abaixo vai detalhar os dados daqueles que o IBGE chama de Força de Trabalho:
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral
Perceba que dentre as categorias consideradas na força de trabalho brasileira, pouco menos de um quarto da população é composto por empregados com carteira assinada e funcionários do chamado setor público. Além disso, existe um contingente proporcionalmente pequeno de empregadores. Vejamos os números do terceiro trimestre de 2016:
Fonte: IBGE – PNADc – Trimestral – jul / set 2016
No gráfico de linhas, acima, vemos que ainda existem outras classificações na força de trabalho. Para a análise desse grupo no contexto do total da população, compusemos a seguinte tabela:
Fonte: IBGE – PNADc – Trimestral – jul / set 2016
Perceba que existe um último grupo que batizamos como “população em condições precárias de trabalho”. Essa definição, “condições precárias”, é nossa, não do IBGE, e foi assim nomeada em função dos baixos rendimentos médios mensais apontados pela pesquisa:
• trabalhadores sem carteira assinada – R$1.206,00
• auxiliares familiares – sem rendimentos
• trabalhadores por conta própria – R$1.504,00
O rendimento médio dos trabalhadores com carteira assinada – R$1.938,00, é somente um pouco mais elevado. No entanto, se aqueles em “condições precárias” tivessem os mesmos rendimentos, teríamos um acréscimo no PIB de 2016, da ordem de quase R$232 Bilhões, ou 4,1 pontos percentuais. Este é o cálculo que nos leva a classificar este grupo como de “ineficiência laboral”.
Do ponto de vista do contingente de pessoas, o grupo em uma situação de trabalho que poderíamos chamar de “mais comum” é pouco maior do que um quarto da população. De outro lado, aqueles em “estado de ineficiência laboral” se aproximam da metade dos brasileiros e corresponde a quase 88% da força de trabalho.
Essa análise não tem vigência no mundo real. É um exercício de cálculo para retratar que a tragédia nacional vai muito além do enorme recorde de 11 milhões de desempregados. Estatísticos e experts no mercado de trabalho poderão ter visões diferentes. Suas opiniões são bem-vindas.
Já caminhamos para a parte final deste artigo que buscou trazer para nossos leitores detalhes que compõem o quadro completo do mercado de trabalho nacional. Também quisemos, é verdade, fazer uma grande provocação. Melhor ainda, criar oportunidade para várias provocações:
• Você concorda com a análise feita?
• Será possível atender a todas as demandas da nossa sociedade com tamanha ineficiência?
• Quais são as causas dessa ineficiência?
• Como seria possível resgatar os brasileiros que se encontram “em condições precárias de trabalho”?
Compartilhe essa análise com seus amigos. Debata conosco sobre esses cálculos.
A COMPARAÇÃO COM OS DADOS INTERNACIONAIS
Uma boa forma de analisar a situação dos dados brasileiros é compará-los com seus equivalentes internacionais. Através de busca em fontes confiáveis de consulta obtivemos uma série de índices.
Nosso objetivo foi analisar a curva de desemprego desses países e verificar seu comportamento, tendo em vista a crise econômica mundial entre 2008 e 2009, adotando como ponto de partida o ano de 2006.
Inicialmente, veremos os dados do G7, os países mais ricos o mundo.
Fonte: FMI, World Economic Outlook Database, Outubro 2016
Nossas conclusões foram:
• Pode-se observar que todos os países sentiram os efeitos da crise econômica, pois o desemprego aumentou de 2008 para 2009, em todos eles
• Com a honrosa exceção da Alemanha, que teve uma leve alta no ano de 2009, mas depois retomou a curva descendente, todos os demais países levaram algum tempo para se recuperar
• O Japão teve um crescimento na curva de desemprego pequeno, mas somente em 2013 conseguiu retornar aos níveis anteriores
• O Reino Unido começou a sentir os efeitos já em 2008 e somente retornou aos níveis pré-crise em 2015
• Canadá e Estados Unidos, apesar de não voltarem aos níveis pré-crise, apresentam uma trajetória da curva que permite identificar certa recuperação
• Itália e França, pelo contrário, ainda não conseguiram reverter a curva ascendente do desemprego
Veja neste outro gráfico que alguns países sofreram de forma mais dramática, o impacto da crise econômica sobre o mercado de trabalho. Os dados falam por si.
Fonte: FMI, World Economic Outlook Database, Outubro 2016
INFELIZMENTE, A CRISE NO MERCADO DE TRABALHO VAI DEMORAR A PASSAR
Ampliando nossa consulta, reunimos dados de desemprego de 105 países, acompanhados pelo FMI e divulgados em abril deste ano, em seu Relatório de Perspectivas Econômicas Mundiais. Passados 3 anos depois da crise, 72 países (68,6%) ainda mantinham índices de desemprego piores que os apresentados antes de 2008 (ou de 2009 – dependendo de quando cada país começou a sentir seu impacto). Mesmo após passados 5 anos da crise, os índices se mantinham acima em 59 países (56,2%).
Entretanto, o Brasil é muito grande e diversificado, e a estatística recomenda compará-lo a países maiores, tanto no tamanho da economia quanto no da população. Feita a avaliação, a comparação com os países do G20 é ainda mais trágica. Os dados de 3 anos após o início mostraram 82,4% dos países ainda vivendo a crise de emprego. E 5 anos depois, 64,7% dos países ainda não retornaram aos índices anteriores. Clique neste link para ter acesso aos dados do relatório, e veja abaixo a tabela resumo.
Fonte: FMI, World Economic Outlook Database, Outubro 2016
Todos os dados apresentados acima nos levam a acreditar que a recuperação do mercado de trabalho brasileiro será menos rápida do que todos gostaríamos.
COM TUDO ISSO, DÁ PRA SER OTIMISTA?
Apesar da conjuntura negativa, esperamos que esta análise não seja motivo para que nossos leitores desistam de seus objetivos. Pelo contrário, acreditamos que somente conhecendo a realidade dos dados é que poderemos nos planejar adequadamente para enfrentar os períodos de turbulência.
É razoável supor que muitas empresas aproveitaram o período de crise para corrigir eventuais distorções em sua folha de pagamento. Essas distorções foram acumuladas no período em que a economia brasileira foi artificialmente alimentada por fatores que não garantiram sua sustentação no tempo, apenas adiando e agravando suas consequências. Pode-se perceber que várias categorias comemoraram aumentos salariais que, agora, provocam substituição de trabalhadores por outros com salários mais baixos.
A expectativa é que, passada a fase mais crítica da crise política, que inegavelmente alimentava a crise econômica, alguns mercados possam retomar sua trajetória natural, em busca de equilíbrio.
Outro fator, que não foi tratado neste artigo, é o surgimento de uma nova realidade econômica representada por movimentos como a colaboração e o compartilhamento. Certamente, tais avanços poderão trazer de volta a satisfação pelo trabalho – leia nosso post sobre este assunto – e a oportunidade de voltar à atividade profissional para quem esteja fora do mercado de trabalho tradicional.
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