RESUMO
Existe um modelo mental dominante quando se pensa em relações de trabalho e obtenção de renda.
Este modelo mental funciona como se fosse um manual de melhores práticas, como se existisse um roteiro pré-determinado do que, quando e como agir em cada fase da vida. De forma resumida, podemos citar:
- É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade – no Brasil, conforme lei federal.
- A cada ano, a criança, agora transformada em aluno, deve reunir condições para ser promovida para um novo estágio de desenvolvimento cognitivo-comportamental. De forma mais simples, a criança deve passar de ano.
- No ano em que completar 6 anos de idade, a criança deve ser matriculada pelos pais no chamado ensino fundamental, que terá a duração prevista de 9 anos.
- Após o ensino fundamental, o aluno deve ser matriculado no ensino médio, ou ensino técnico, com 3 anos de duração.
- Ao final deste período, preferencialmente, o agora adolescente deve escolher uma profissão e se matricular em um curso do ensino superior, com duração entre 4 a 6 anos, que vai lhe ensinar uma profissão com a qual possa exercer um papel na sociedade e obter o seu próprio sustento.
- Concluído o período de estudos, de quase 20 anos, o indivíduo, já adulto, deverá encontrar trabalho.
- A maioria das pessoas trabalha na condição de empregado, quando presta serviços profissionais para um empregador que, em contrapartida, paga um salário (e benefícios) previamente combinados, conforme a legislação vigente.
- Depois de muitos anos de trabalho, o indivíduo poderá se aposentar, quando receberá do instituto de seguridade social uma pensão vitalícia, chamada de aposentadoria.
Este roteiro pré-determinado pressupõe outra série de comportamentos e melhores práticas para manter o indivíduo ativo e em condições de cumprir o seu papel, seja na escola, no emprego ou na aposentadoria.
Uma dessas melhores práticas diz que depois de formadas e já na condição de empregadas, as pessoas devem zelar pela própria carreira, continuar estudando e se desenvolvendo, para que possam se manter atraentes para o mercado empregador. Em outras palavras, as pessoas devem cuidar da própria empregabilidade.
Com a velocidade dos avanços tecnológicos nos últimos anos, existe o risco real de que as pessoas não consigam se atualizar constantemente e fiquem fora do mercado de trabalho.
Este modelo mental vigente foi muito útil social e economicamente, pois possibilitou avanços significativos para a humanidade. Mas o que parecia ser um grande feito da civilização se transformou em uma armadilha que nos condicionou a todos.
INTRODUÇÃO
Você é um emprego-dependente?
Não se preocupe, não há mal algum nisso. A não ser que você pertença à parcela incrivelmente rica da população ou à parte absurdamente pobre, você é, ou já foi, um emprego-dependente.
Mesmo quem já alcançou altos cargos na hierarquia das empresas, se não tiver outra fonte de renda, é um emprego-dependente.
Inclusive as pessoas que têm um negócio próprio mantêm em seu subconsciente a noção de que, se um dia for preciso, podem “procurar um emprego para manter uma fonte de renda segura para sustentar a minha família”.
A expressão que define a dependência é exatamente “fonte de renda segura”. É esse o objeto de desejo de todo empregado. É essa a garantia idealizada pelos teóricos de esquerda quando defendem regulamentar a relação de emprego, o máximo possível. Por este ideário, o emprego é um direito do cidadão.
É certo que há quem não seja empregado de ninguém. Desde o pipoqueiro da esquina, passando pelo motorista de táxi e chegando aos médicos ou advogados famosos, uma multidão de pessoas vive de suas próprias profissões, sem a dependência de um emprego formal.
Você pode conhecer alguém, ou até mesmo afirmar não ter esse modelo mental. Mas o fato inegável é que, para a esmagadora maioria de indivíduos, ter um emprego ou a capacidade de conseguir um, se for necessário, é um objetivo de vida perseguido com obstinação.
Embora, no aspecto estritamente racional, todos concordem que não existe segurança de que uma relação de emprego dure para sempre, do ponto de vista emocional, a maioria de nós age como se essa segurança fosse possível. Se nos sentimos bem no emprego e temos a percepção de que nosso empregador – ou seus representantes – estão satisfeitos com nosso trabalho, vivemos um estado de tranquilidade e bem-estar profissional. Caso tenhamos alguma insatisfação ou se percebemos qualquer risco de manutenção do nosso emprego, passamos a conviver com um estado permanente de intranquilidade, ansiedade, estresse ou até casos mais graves, como angústia ou depressão.
Manter o emprego ou a empregabilidade, para usar um termo que já foi bastante festejado, era o principal direcionador de carreira para a massa de profissionais que se capacita focando no trabalho nas empresas. Mas, será que estamos condenados a trabalhar para os outros e nos sujeitar à sorte de ter ou não bons chefes, colegas ou ambientes de trabalho? E quando o ambiente não é bom, será possível acordar pela manhã, vestir-se adequadamente, enfrentar o trânsito e viver toda a rotina de um dia de trabalho, sem que isso resulte em, ao menos, um pouco de felicidade? Veja um artigo completo sobre a felicidade no trabalho aqui.
Ao longo de mais de 20 anos me relacionando com profissionais e a gestão de suas carreiras, percebi que as pessoas que dependem de um emprego para obter seu sustento e o de sua família têm uma forma de pensar sobre isso que é relativamente uniforme.
Para possibilitar a investigação e o debate sobre esta forma de pensar, e para que fosse possível referir-me sobre ela sem a necessidade de explicar seu conceito a todo instante, criei a expressão “Modelo Mental E2A” ou, simplesmente, “MM E2A”.
Neste ensaio, você vai conhecer o que é este modelo mental, como ele se tornou algo adequado para tanta gente e em tantos países diferentes, de onde surgiu, as gigantescas contribuições que trouxe para a civilização e, o mais importante, como isso pode representar um risco enorme para toda a humanidade e as próximas gerações.
MODELO MENTAL E2A – O QUE É ISSO?
A expressão modelo mental parece não ter lugar em uma linguagem casual ou nas conversas informais. Modelos mentais, entretanto, são objeto de estudo aprofundado em vários ramos da ciência, como psicologia e ciência da computação. Um pouco adiante neste ensaio, veremos o que os cientistas dizem sobre os modelos mentais. Vamos nos deter primeiro a entender o que significa E2A.
O Modelo Mental E2A fala daquilo que fomos treinados a pensar como sendo um roteiro ideal de vida: Escola, Emprego e Aposentadoria. E2A é a sigla formada com as iniciais de cada palavra. O número 2 representa o fato de a letra E ser repetida duas vezes.
Os pais enviam seus filhos para a escola cumprindo sua responsabilidade de prover uma educação sólida, para que essas crianças se tornem adultos capazes de obter os recursos para o custeio de sua própria vida.
A escola cumpre sua função no modelo ao organizar a vida das crianças e, mais tarde, dos adolescentes, em períodos de aprendizado sequencial e cumulativo, que começa nas mais simples regras de convívio social e alfabetização e terminam com o preparo para a vida adulta, produtiva, na imensa maioria das vezes em empregos que demandam cada vez maior formação escolar, preferencialmente a dos chamados cursos de graduação.
Finalizado o período escolar, o roteiro pressupõe – ou pressupunha – a obtenção do emprego para o qual a escolarização preparou – ou deveria ter preparado – o indivíduo.
A vida adulta traz responsabilidades e, entre elas, a de que o indivíduo consiga prover seu próprio sustento. Mais tarde, os adultos poderão ter que cuidar adicionalmente de seus próprios filhos e/ou de seu pais. Para conseguir isso, a imensa maioria precisará de emprego.
Depois de muitos anos de trabalho, o roteiro criado no modelo pressupõe a possibilidade de que o indivíduo pare de trabalhar e utilize de uma poupança previdenciária para custear suas necessidades: a chamada aposentadoria.
O Modelo Mental E2A vigora na maioria dos países e culturas, com pequenos graus de variação. A ideia principal é a de que é possível planejar a vida a partir de um roteiro pré-estabelecido. Este ensaio demonstrará que, de fato, isso foi mesmo possível durante muitas décadas. Na verdade, o Modelo Mental E2A foi um roteiro vitorioso que possibilitou a ascensão social de milhões de famílias mundo afora. Todo o fantástico progresso científico, social e civilizatório obtido desde meados do século XVIII até os dias de hoje foi obtido, ainda que parcialmente, graças a este modelo.
Entretanto, este texto mostrará também que o roteiro de sucesso caminha rapidamente para um processo de esgotamento. Sua funcionalidade ainda permanecerá por muito tempo, graças a dois fatores principais: 1) todo o aparato social e burocrático construído no seio da sociedade e, principalmente, dos estados (entendido como a personalidade jurídica dos países) e; 2) a enorme inércia que o próprio MM E2A criou na mente de todos nós, o que, em alguns momentos, chego a chamar de estado de condicionamento. No entanto, a aplicabilidade prática do modelo, como solução universal, está seriamente comprometida pela evolução tecnológica e a rápida obsolescência da mão de obra humana.
O TUBO
Quando comecei a formular o raciocínio que me levou a especular sobre a existência de um Modelo Mental E2A, sempre me ocorria a metáfora de que a vida se assemelhava a um grande tubo.
Imagine um tubo grande, com mais de 2 metros de diâmetro, como os túneis por onde passam os metrôs subterrâneos, por exemplo. Dentro dele, imagine que uma esteira sem fim conduza seus passageiros pelas fases de toda a vida. Os pais, assim que seja possível (e cada vez mais cedo) depositam seus filhos na ponta de entrada deste grande tubo que transporta suas crianças. A primeira fase do tubo leva, no Brasil, não menos de 18 anos para ser percorrida. Representa todo o período da vida escolar das pessoas. Se você preferir, é o período que vai da infância até o final da adolescência.
Com exceção daqueles que permanecem nos bancos da escola perseguindo uma carreira acadêmica, a maioria das pessoas passa para a fase do emprego. A bem da verdade, tanto as escolas de boa qualidade, quanto entidades públicas e privadas, e a própria legislação, incentivam que os alunos busquem experiências iniciais com o mundo corporativo através das práticas de aprendizagem e de estágios.
Nesta altura da sua leitura é inevitável que você pense nos famosos exemplos de empreendedores que abandonaram os estudos para criar negócios e se tornaram ícones do mundo atual. Reza a lenda que Bill Gates e Steve Jobs abandonaram a universidade porque acharam que não era importante para eles. Esqueça! São as exceções que confirmam a regra. Para a esmagadora maioria da população, a vida adulta trará reflexões de que a escola deveria ter sido feita com maior cuidado.
Atualmente, mesmo famílias muito ricas matriculam seus filhos em escolas de boa qualidade e, depois, os incentivam para que vivenciem um período de prática no mundo do trabalho. Os que podem, buscam pelo trabalho logo depois de concluírem um curso superior. É o Modelo Mental E2A trabalhando no inconsciente dos pais sobre o que seria a adequada preparação dos filhos para o futuro.
Também aqueles que criam seus próprios negócios, são profissionais liberais ou se dedicam a uma carreira individual, como os cantores, atletas e artistas, passarão toda essa fase da vida com o pensamento reconfortante de que, “se um dia precisar, sou capaz de procurar um emprego”.
Esse é o período mais longo da travessia do tubo. Levará 30, 40, 50 ou mais anos. É o período da vida em que as pessoas, em tese, deveriam ser capazes de obter o seu próprio sustento. É o período que, ainda em teoria, o indivíduo se valerá do que aprendeu na fase dedicada à escola para obter maior ou menor sucesso.
Também neste período, as pessoas poupam para o futuro – ou deveriam fazê-lo. A sustentação teórica para os modelos de previdência é a da poupança, apesar de não serem optativos na maioria dos países. A compulsoriedade é justificável porque os jovens não pensam na sua própria velhice. Imaginam que não precisarão quando chegar lá. Terão garantido sua independência financeira antes disso. Os governos sabem que precisarão dos recursos financeiros para prover condições de vida para a população mais idosa e, portanto, obriga aos empregados contribuírem para os sistemas públicos de previdência.
Quando, finalmente, o indivíduo chega perto da velhice, nosso imenso tubo o leva até a fase da aposentadoria. No modelo teórico do sistema previdenciário, que inclusive justifica a obrigatoriedade da contribuição previdenciária, seria o período em que o indivíduo não precisaria mais trabalhar para obter seu sustento. A realidade da maioria dos sistemas previdenciários do mundo mostra que a promessa feita não se sustenta no longo prazo.
A ideia do tubo me parece adequada pelo caráter de continuidade. Assim como não se chega ao meio sem entrar pela ponta, não se aposenta quem não comprovar as contribuições para a aposentadoria. Da mesma forma que não obtém trabalho, quem não demonstrar um conjunto mínimo de competências técnicas e teóricas aprendidas no período escolar.
Nos próximos capítulos, vamos entender melhor cada parte do E2A e por que seu conjunto forma um modelo mental.
ESCOLA
Enviar os filhos para a escola é responsabilidade dos pais. A do Estado é prover a rede de ensino para todos.
De forma gradativa e com muito atraso em relação aos países mais desenvolvidos, o Brasil conseguiu a chamada universalização do ensino básico. Pelos dados do governo federal, a taxa de matrícula aos 7 anos de idade é de quase 100% da população e cai à medida do passar dos anos, sistematicamente, até atingir pouco mais de 34% no ensino superior. Para completar as informações estatísticas, temos que somente 13,1% das pessoas com 25 anos ou mais concluíram o ensino superior. Todos os dados são de 2014.
A classe média brasileira, desde o final do século XIX, entendeu que a educação era um dos principais mecanismos de ascensão social, senão o principal. Naquela época, os filhos das famílias ricas foram estudar na Europa e voltaram, demonstrando que existia um promissor mercado consumidor dos serviços prestados por profissionais bem qualificados.
Infelizmente, mesmo o tardio progresso obtido na quantificação da oferta do ensino no Brasil não é observado nas avaliações qualitativas. O principal indicador de ensino do mundo revela a tragédia da qualidade de ensino no país – PISA/OCDE (2015): 60º lugar dentre 76 países.
Por outro lado, no que se refere ao nosso tema principal, o problema da desconexão entre a educação formal ofertada (principalmente) pelo Estado e as necessidades práticas do mundo moderno existe em quase todos os países. Em resumo, não existe alternativa a não ser cada vez mais e melhor educação. Mas, seguramente, a educação necessária para nosso tempo está longe de ser a disponível em larga escala.
A pergunta que precisa ser feita é: a escola que conhecemos proporciona educação para que?
O Modelo Mental E2A sustenta que a educação é a base que levará para o próximo patamar da vida: o emprego.
Neste sentido, o sistema educacional difundido de maneira praticamente generalizada no mundo é coerente. Os conteúdos são organizados em forma crescente, estruturada, com avaliações periódicas e separação por turmas. Cada período letivo tem o papel de conduzir o aluno ao período seguinte.
Na metáfora do tubo, já apresentada, a ideia de que a vida tem um roteiro preestabelecido também é ensinada na escola. Antes das férias, tem o período de provas. Depois do primeiro ano, vem o segundo. Depois do ensino fundamental vem o ensino médio. E assim por diante.
A noção da disciplina, coletividade e de uma autoridade que é responsável por todos e deve ser respeitada como tal, também é diligentemente transmitida. Sem dúvida, são princípios que terão utilidade para o desempenho profissional, quando chegar a hora.
Apesar das constantes críticas ao sistema educacional no Brasil, e na maior parte do mundo ocidental, só resta aos Estados, gestores, pais e indivíduos manterem os investimentos e a procura pela evolução no universo estudantil.
Entretanto, permanece a dúvida: se o modelo que conhecemos garantirá passaporte seguro para as próximas fases da vida.
A evolução tecnológica acontece em um ritmo cada vez mais rápido. Os smartphones, tais como os conhecemos hoje, foram apresentados ao mundo há uma década. Agora, pare um instante e avalie a quantidade de negócios que utilizam essa tecnologia no mundo atual.
Seria um exagero dizer que o período de validade da formação de um profissional seja de 10 anos, mas alguém que tenha obtido sua graduação em um curso superior em 2005 não conhecia o smartphone. A percepção da necessidade de atualização constante criou uma próspera indústria de cursos de formação continuada. Aliás, o nome é bastante apropriado.
Os MBAs passaram a ser uma excelente forma de atualização profissional. E os profissionais que desejavam uma carreira ascendente, principalmente nas grandes empresas, praticamente não tinham alternativa a não ser acrescentar mais 2 ou 3 anos de aulas, no mesmo formato dos cursos superiores.
No início de 2015 eu participei de uma cerimônia de início do período letivo em uma das mais importantes escolas de educação superior do Brasil. O processo de seleção dos alunos tinha sido muito disputado e o reitor da instituição perguntou a um dos alunos a razão disso. A resposta foi significativa. O aluno recém ingresso acreditava que a escola lhe possibilitaria mais atualização, e fulminou:
Não dá mais para aceitar a ideia de ser um profissional do século XXI, sendo educado por profissionais do século XX, em instituições organizadas conforme padrões do século XIX.
EMPREGO
A vinda em massa de mão de obra estrangeira ao Brasil não é novidade. A primeira leva de trabalhadores livres chegou aqui em 1870. A sociedade escravocrata não havia preparado suas vítimas para a lavoura de café e os escravos não tinham motivos para se dedicar ao aprendizado. Foi a oportunidade para a chegada de italianos, em multidões, criando a rota que seria seguida nas décadas seguintes por europeus em geral, orientais, etc.
Um processo parecido aconteceu recentemente, na primeira década deste século. Com a economia minimamente nos trilhos, o Brasil atraiu muita mão de obra estrangeira qualificada. Foi o bastante para a propaganda governamental e o pensamento imediatista de boa parte de nossa elite econômica decretarem que o país vivia um “apagão de mão de obra”.
A expressão, largamente reproduzida pela imprensa, parecia se justificar pelo fato de que as empresas precisavam de maior número de profissionais com boa qualificação.
Eu preguei em vão contra os divulgadores da tese do apagão de mão de obra. Em evento da CNI, acontecido em Belo Horizonte, no ano de 2013, defendi que não havia apagão de mão de obra. O que sempre houve no Brasil foi uma lacuna interminável na oferta de educação de qualidade. Mão de obra disponível existe. Quem fala de apagão de mão de obra parece não considerar a imensa massa de trabalhadores disponível nas pequenas e médias cidades do país, que poderia ser utilizada facilmente.
O que existe é baixíssima produtividade nacional, desperdício generalizado e complacência com a incompetência e o patrimonialismo. É mais cômodo inventar um fenômeno fictício – “apagão de mão de obra” – do que aumentar o investimento na capacitação das pessoas que, há séculos, esperam oportunidades de crescimento.
É natural que qualquer pessoa, física ou jurídica, prefira soluções simples e rápidas para seus problemas. E, melhor ainda, soluções que não exijam compromissos de longo prazo. Mas esse estilo é o do não enfrentamento, do corporativismo, da preferência por atalhos mágicos, da esperteza ignorante.
Voltando à alegoria do tubo apresentada anteriormente, fomos demandados a frequentar todos os níveis da escola formal, como meio de nos prepararmos para a fase do emprego, onde nossa capacitação aprendida nos bancos da escola seria utilizada.
O raciocínio é o de que o indivíduo deve gastar muitos anos de sua vida e investir os recursos financeiros de sua família para se preparar adequadamente e ser utilizado como mão de obra pelas empresas, principalmente em sua fase adulta. Mas, o que aconteceu com o apagão de mão de obra apenas dois anos após a explosão da crise econômica de 2014? Deixou de existir apagão? Ou a tese do apagão é apenas um sofisma para encobrir a aparentemente eterna dificuldade brasileira de enfrentar problemas estruturais?
Hoje, princípio de 2017, desemprego oficial na casa dos 12%, o Brasil vive uma das maiores crises econômicas de sua história. Não é objetivo deste ensaio discuti-la. É necessário, contudo, apontar que se o modelo mental vigente preconiza estar preparado para ocupar uma vaga de emprego, este modelo mental é falho quando não existem vagas de emprego para todos os que estão preparados.
Os cegos pelo MM E2A argumentarão que, quanto melhor preparado o indivíduo estiver, maior será sua capacidade de fazer frente ao desemprego. Ledo engano. As estatísticas mostram desemprego em todos os níveis de escolaridade. Mas, o mais grave, a crise econômica atual tem produzido um dos maiores processos de achatamento salarial já vistos.
Não tenho informações sobre dados estatísticos oficiais que comprovem essa informação. No entanto, ela pode ser facilmente comprovada pela observação empírica. Empresas privadas de outplacement garantem que muitos profissionais somente conseguem nova colocação após aceitarem uma redução salarial que varia de 25% a 50%.
A solução de almanaque das consultorias de RH foi responsabilizar o indivíduo por se tornar objeto do desejo dos empregadores. É a tese da empregabilidade.
Segundo artigo do coach brasileiro Villela da Matta, publicado pelo portal RH.com.br, “empregabilidade é a capacidade de obter, manter e, se necessário, reencontrar um trabalho satisfatório e gratificante. Esse conceito foi aplicado pela primeira vez pela pesquisadora Emma Pollard e o diretor de pesquisas James Hillage, do Institute for Employment Studies, da Inglaterra”. O conceito prega que o trabalhador deve estar atento aos movimentos do mercado de trabalho e cuidar para manter sua própria empregabilidade alta.
Cabe esclarecer que eu não sou contra a noção de que as pessoas são responsáveis pela direção de sua própria vida. Penso que é, sim, obrigação do indivíduo se dedicar a ser o melhor ser humano que possa ser. Por outro lado, vejo que responsabilizá-lo unicamente pela dificuldade de encontrar trabalho é, no mínimo, má fé.
Em outras palavras, o espírito de competitividade do ser humano, que já era observado nos ambientes corporativos através da disputa por melhores cargos e salários, começou também a ser estimulado na batalha por uma vaga de emprego.
Conforme vimos no capítulo destinado à escola, os indivíduos não se furtaram a novas doses de mais educação, na esperança de emprego e futura aposentadoria. Olha o E2A aí.
Minha experiência como executivo de recursos humanos atesta a genuína preocupação dos profissionais trabalhadores de nossas empresas a se manterem em um processo de educação continuada. A proliferação de cursos de pós-graduação no Brasil é outro dado que comprova isso. O sucesso de conceitos como coaching, também.
A pregação bem-intencionada de que a empregabilidade representaria vantagem competitiva para os profissionais é de um tempo em que uma competência adquirida significava real diferenciação. A preferência dos profissionais para obter essas competências era a formação acadêmica: pós-graduação, MBAs e cursos em instituições de renome.
Sendo assim, fez sentido um período de busca incessante por mais e melhor qualificação. Havia tempo suficiente para compensar o investimento.
As novas gerações, especialmente as vindas de boas escolas, passaram a demandar cada vez maior investimento de seus empregadores em suas próprias carreiras. O que passou a gerar uma reflexão das próprias empresas sobre qual seria o resultado efetivo dos investimentos na formação básica dos profissionais.
Das principais vítimas de que se tem notícia, os programas de trainees, tão difundidos nas últimas décadas do século passado, chegaram a ter carga horária de treinamentos equivalentes a MBAs de escolas renomadas, mas passaram a ser gradativamente questionados nos altos escalões. Era muito comum ver trainees receberem propostas irrecusáveis de concorrentes logo após o término de seus programas e abandonarem as empresas de origem que haviam investido dezenas de milhares de reais na complementação de sua formação.
Os jovens não viam conflito moral em aceitar essas propostas. Afinal, eram as velhas leis do mercado em ação. As mesmas leis do mercado que as empresas conhecem tão bem.
Hoje a competição continua a exigir muita atualização. Mas a velocidade das mudanças e da obsolescência das tecnologias é mais alta que a capacidade das pessoas de se manterem atualizadas.
Outras demandas da vida adulta acabaram afetadas pela disputa pelo mercado do trabalho. Em todo o mundo ocidental, as mulheres passaram a conviver com o dilema de ter que optar entre o desenvolvimento de suas carreiras e o apelo instintivo pela maternidade.
Com o passar da idade e a concorrência de outras prioridades no apertado orçamento das famílias, a educação continuada passa a ser mais difícil. Os anos de profissão proporcionaram salários mais altos para esses profissionais; com justiça, diga-se. O resultado de tudo isso é que profissionais com mais de 40 anos passam a conviver com o fantasma da demissão e o medo de perder espaço no mercado de trabalho.
Não é sem razão que a geração mais nova passou a questionar esse estilo de vida. Viram e sentiram os efeitos de seus pais se entregarem com sofreguidão à vida profissional. A colunista Ruth Manus publicou em sua coluna no Estadão um belo resumo dessa saga, o qual interpretei conforme segue:
- Afinal, qual o modelo de sucesso da nossa geração?
- Nossos avós criaram os nossos pais esperando que eles cumprissem essa grande meta de sucesso – formar uma família sólida.
- Nossos pais encontraram outro modelo de sucesso: a carreira.
- Nossos pais nos criaram: nos dando todos os instrumentos para a nossa formação, para garantir que alcancemos o sucesso profissional.
Muitas publicações recentes ilustram a crescente percepção na sociedade de que existe uma necessidade real de repensar o mundo do trabalho na atual sociedade industrial. Os custos impingidos aos profissionais para sobreviver à competição têm sua expressão mais trágica na esfera da saúde. Fala-se em epidemias globais de depressão, obesidade e hipertensão, de transtornos de ansiedade de todos os graus e multidões de doentes da coluna, vítimas da postura inadequada e do sedentarismo.
A escritora Eliane Brum publicou texto sublime em uma edição online do jornal El País para o Brasil. Diz a autora:
“Como na época da aceleração os anos já não começam nem terminam, apenas se emendam, tanto quanto os meses e como os dias, a metade de 2016 chegou quando parecia que ainda era março. Estamos exaustos e correndo. Exaustos e correndo. Exaustos e correndo. E a má notícia é que continuaremos exaustos e correndo, porque exaustos-e-correndo virou a condição humana dessa época. E já percebemos que essa condição humana um corpo humano não aguenta. O corpo então virou um atrapalho, um apêndice incômodo, um não-dá-conta que adoece, fica ansioso, deprime, entra em pânico. E assim dopamos esse corpo falho que se contorce ao ser submetido a uma velocidade não humana. Viramos exaustos-e-correndo-e-dopados. Porque só dopados para continuar exaustos-e-correndo. Pelo menos até conseguirmos nos livrar desse corpo que se tornou uma barreira. O problema é que o corpo não é um outro, o corpo é o que chamamos de eu. O corpo não é limite, mas a própria condição. O corpo é”.
E conclui:
“A auto exploração é mais eficiente do que a exploração do outro, porque caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade”
APOSENTADORIA
Aposentadoria pode ter o sentido de, simplesmente, parar de trabalhar, ou se afastar do serviço ativo. Para os efeitos deste texto, entretanto, vamos nos concentrar no sentido de receber o pagamento de proventos previdenciários, frutos da contribuição deduzida dos salários (ou de contribuições mensais voluntárias) em favor da previdência social.
Para garantir confiabilidade de que o contribuinte receberá, muitos anos depois, a contrapartida das contribuições que lhes são descontadas dos salários, muitos governos instituíram sistemas públicos de previdência, para administrar essa gigantesca massa financeira. No Brasil, o organismo que atualmente faz essa gestão é o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.
O modelo vigente no Brasil é semelhante ao de vários países ocidentais, e foi inaugurado no governo do primeiro-ministro alemão Otto Von Bismarck, no final do século XIX (1889). É interessante observar que foi introduzido na sequência dos processos históricos desencadeados pela Revolução Industrial, que veremos mais adiante.
Não foi apenas coincidência. A Revolução Industrial trouxe mudanças profundas na sociedade e desencadeou um novo tipo de relação social. Se, por um lado, os empregadores tratavam os empregados exclusivamente como recursos de produção, os trabalhadores organizados reagiram com movimentos de sabotagem e depredações.
Bismarck implantou a seguridade social como uma resposta às reivindicações dos trabalhadores e às ideias socialistas que se espalhavam pelo continente europeu.
No Brasil, em 1888 foi regulamentado o direito à aposentadoria para os funcionários dos Correios. Mas a Previdência Social propriamente dita passou a existir com o Decreto nº. 4.682 de 1.923.
O conceito de previdência social é o mesmo de um seguro. Paga-se um prêmio, normalmente mensal, para proteger o pagante dos efeitos indesejáveis de um determinado risco. O risco, no caso da aposentadoria, é a incapacidade do contribuinte de obter renda suficiente para custear sua sobrevivência.
Uma das premissas do inventivo modelo de Bismarck, inclusive para comprovar as reais vantagens oferecidas aos trabalhadores, era a de que os recursos financeiros para o futuro pagamento das aposentadorias, viriam de contribuições a serem repartidas entre trabalhadores, empregadores e Estado.
O conceito de seguros é bem-sucedido mundo afora. O da previdência social, nem tanto. Um dos fatores que escapou aos cálculos iniciais dos formuladores da previdência social foi o tempo de sobrevida dos segurados. Com o avanço da medicina e da qualidade de vida dos indivíduos, sua expectativa de vida hoje é bem maior do que aquela do final do século XIX.
O gráfico acima é parte integrante do relatório An Aging World: 2015, divulgado pelo escritório do Censo, do Governo dos Estados Unidos. O mesmo relatório informa que o total de indivíduos acima de 65 anos passou de 7% para 14% da população em 25 anos no Japão, 69 anos nos EUA e 115 anos na França. No Brasil, os brasileiros acima de 65 anos passarão de 7% da população total para 14% em somente 21 anos. Veja o gráfico abaixo:
No mundo inteiro os governos têm, de tempos em tempos, ajustado as regras para as mudanças no sistema previdenciário. No Brasil, todos os últimos governos trataram do tema, inclusive os liderados pelo Partido dos Trabalhadores.
Não é objeto deste ensaio entrar no debate da reforma da previdência. Pelo contrário, o objetivo aqui é apenas esclarecer o papel da previdência social na arquitetura do que chamamos Modelo Mental E2A.
Tudo começa com um fato simples, que é facilmente ignorado no inferno competitivo que se transformou a vida profissional dos dias atuais: nós, humanos, somos seres biológicos. Como tais, apesar da valentia que assistimos nos filmes de ação e da arrogância que muitas vezes vemos no trato pessoal, nos escritórios perfumados das grandes organizações, temos necessidades básicas que precisam ser atendidas diariamente, várias vezes durante o dia. Foi pensando assim que criamos um filmete que começa sua locução dizendo: “ o ser humano acorda com fome…”. [Link]
Desde a época em que vivia nas cavernas, os seres humanos se organizavam socialmente de forma colaborativa para atender a todas essas necessidades. Respirar um ar puro, beber de água limpa e comer comida fresca é um imperativo que nos acompanha desde sempre.
Sabe-se que diversas sociedades antigas, em todos os cantos do mundo, utilizavam-se da mão de obra escrava para a realização dos serviços mais pesados. Mesmo nesses casos mais extremos, cuidava-se da subsistência das pessoas. Vemos nas passagens de livros antigos, como a Bíblia, por exemplo, que já naquela época muitas pessoas recorriam à mendicância para obter alguma forma de sustento.
No artigo 21 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, acrescentado pela Convenção Nacional francesa de 1793 diz-se que:
“Os auxílios públicos são uma dívida sagrada. A sociedade deve a subsistência aos cidadãos infelizes, quer seja procurando-lhes trabalho, quer seja assegurando os meios de existência àqueles que são impossibilitados de trabalhar. ”
O Modelo Mental E2A encontrou na aposentadoria o mecanismo de atender a essa exigência moral e social. Era um sistema de seguros sociais para poder, com o concurso dos interessados, atender à conservação da saúde e da capacidade para o trabalho, à proteção, à maternidade e à previsão das consequências econômicas da velhice, da enfermidade e das vicissitudes da vida (art. 161 da Constituição de Weimar – Alemanha, 1919). A Organização Internacional do Trabalho (OIT) criada também em 1919, evidenciou a necessidade de um programa sobre previdência social.
Se não foi perfeito enquanto durou, encontrou grande respaldo na sociedade que adotou, com entusiasmo, o enorme progresso e desenvolvimento do capitalismo.
CONTEXTO HISTÓRICO
Antes do século XIX, mesmo nos países mais modernos, a maior parte da população era sujeita à dominação física, pelos exércitos reais, e à moral e psicológica, pela doutrinação religiosa. Hoje é fácil adotar uma postura crítica em relação aos processos históricos. No entanto, naquela época de pouca instrução e grande dificuldade de acesso a informações, muitos viviam em condições de completa servidão.
A Revolução Francesa (1789-1799), é celebrada no mundo inteiro com o seu grito de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Antes dela, a democracia fora pouco mais que uma experiência. A Revolução Francesa foi a fagulha que possibilitou a democratização europeia, e do mundo ocidental. Mas a sustentação econômica para a sua consolidação só foi possível graças a acontecimentos do outro lado do Canal da Mancha.
Antes da Revolução Inglesa, que aconteceu mais de um século antes, entre 1642-1649, os monarcas ingleses concediam aos senhores feudais a posse das terras do reino em troca de apoio político e da condição de permitirem aos mais pobres que a cultivassem para a obtenção do próprio sustento. Era um modelo originado na Idade Média, e permitiu a consolidação do reino e o abastecimento de víveres para a corte e cidades que começavam a se formar.
Foram a burguesia urbana e os produtores rurais progressistas – setores de crescente importância econômica – que romperam com o frágil sistema. As frequentes guerras patrocinadas pelos monarcas – e sua especial afeição pelos poderes absolutistas – eram prejudiciais aos lucros. Entre idas e vindas, uma série de acontecimentos históricos criaram as condições para o desenvolvimento da civilização tal como a conhecemos nos dias de hoje. Entre esses acontecimentos, pode-se destacar:
- A Guerra Civil Inglesa (1642 a 1649), período em que se estima a morte de 15% da população daquele país, culminando com a vitória das forças de apoio ao Parlamento e a execução do Rei Carlos I, por traição.
- A interrupção da monarquia e a decretação da república na Inglaterra durante o período de 1649 a 1658.
- A ascensão ao poder de Oliver Cromwell – que comandava as forças do Parlamento – e decretou, entre outros, os chamados Atos de Navegação, que estabeleciam medidas de incentivo ao desenvolvimento dos negócios da burguesia.
- A restauração da monarquia, como solução para o fim da ditadura estabelecida por Cromwell.
- A Revolução Gloriosa, uma conspiração promovida pelo Parlamento contra o Rei Jaime 2º, que acabou fugindo para a França. Em sem lugar, o Parlamento proclamou sua filha Maria Stuart, casada com o rei dos Países Baixos, Guilherme de Orange. Este movimento instaurou a monarquia parlamentarista inglesa nos moldes que vigoram até os dias de hoje.
Com a consolidação do Parlamento como foco real de poder foi possível um período de grande expansão econômica da Inglaterra e o predomínio dos comerciantes urbanos e dos grandes proprietários rurais. Esses últimos haviam acumulado riqueza e poder com os chamados cercamentos de terras, uma espécie de grilagem das áreas de pequenos feudos que não tinham como se defender.
Os primeiros cercamentos foram iniciados ainda no século XVI, como um ato de força. No entanto, com o poder político, o Parlamento passou a legalizar a prática com sucessivas Leis de Cercamentos de Terras (Enclosure Acts), feitas com maior intensidade em meados do século XVIII.
A razão econômica para os cercamentos foi a ampliação da produção de lã, exportada para os Países-Baixos e Itália para indústrias têxteis artesanais. O comércio de lã era um negócio lucrativo, mas a criação de ovelhas era feita de forma rudimentar. Os cercamentos possibilitaram a criação de grandes áreas de pastagens e deram origem a mais uma sequência histórica de acontecimentos:
- A grande produção de lã possibilitou o desenvolvimento de uma indústria de tecelagem na Inglaterra.
- A expulsão dos pequenos produtores rurais de suas terras provocou um grande êxodo rural. A população de Londres passou de metade de um milhão em 1670 para mais de 3 milhões em 1860 – ver gráfico abaixo.
- Boa parte dessa população passou a ser empregada nas indústrias de tecelagem.
O Tribunal Central Criminal de Londres mantém na internet uma estatística populacional da capital, que adaptamos em forma de gráfico.
O desenvolvimento do setor têxtil acelerou-se após o surgimento da indústria do algodão, que suplantou em importância a manufatura de lã durante a Revolução Industrial. De fato, depois dos Atos de Navegação de 1651, o comércio ganhou impulso, enquanto o mercado se expandia com a conquista, pela Inglaterra, de novas áreas coloniais. Uma dessas áreas era a Índia, região produtora de algodão e altamente consumidora dos tecidos fabricados com essa matéria-prima.
A existência de interesses comuns entre a nobreza rural e os empresários do comércio e da indústria representou uma das condições para essa política. Essa união de interesses foi favorecida pela monarquia parlamentar, que estabilizou a moeda, protegeu as indústrias da concorrência estrangeira e estabeleceu medidas especiais para desenvolver a navegação e o comércio ultramarino, bem como a indústria têxtil.
A burguesia, classe dominante no Parlamento, órgão responsável pelas questões tributárias, além de todos os benefícios que já tinha, não era cobrada por impostos muito pesados. Em função dessa cobrança bastante branda, teve condições de acumular capitais mais rapidamente, permitindo-lhe investir de forma maciça em inovações técnicas, possibilitando a eclosão da Revolução Industrial.
Neste mesmo período, o desenvolvimento da indústria do carvão e o aperfeiçoamento das técnicas de fundição de ferro possibilitaram ainda mais o surgimento de grandes áreas industriais em cidades como Bristol, Birmingham, Manchester, Liverpool, Londres e Glasgow, que contavam com inúmeras fábricas. Os camponeses passavam a ser, dessa forma, assalariados nas cidades, contribuindo para a formação da classe operária na Grã-Bretanha.
Todo este contexto histórico levou para o que a história batizou como Revolução Industrial.
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
A Revolução Industrial foi o período histórico que inaugurou novos modelos de produção, substituindo a fabricação artesanal até então existente por processos que possibilitaram a fabricação em maior escala. Essa transição ocorreu primeiro na Inglaterra, entre 1760 e algum momento entre 1820 e 1840, e logo se espalhou para a Europa Ocidental e os Estados Unidos.
Talvez, o grande ícone da Revolução Industrial seja a invenção da máquina a vapor. Mas seria reducionismo imperdoável não considerar outras tecnologias desenvolvidas na época:
- O uso do cadinho para a fabricação do aço
- As máquinas de fiar
- A utilização do ferro fundido em pontes
- Máquinas agrícolas
- A bateria elétrica
- A iluminação a gás
- A produção de aço em processo industrial
- O telégrafo
- O cabo telegráfico submarino entre Inglaterra e EUA
- O Canal de Suez
- O telefone
- O fonógrafo
O MOTOR A EXPLOSÃO
É ingênuo pensar que a Revolução Industrial inaugurou a exploração da mão de obra. Os livros de história contam os absurdos de mulheres e crianças que trabalhavam até 14 horas por dia, todos os dias da semana, em péssimas condições de higiene e salubridade, em troca de salários muito baixos. Antes disso, entretanto, a vida dos colonos, obrigados a plantar e colher para si e para os senhores das terras não era o melhor dos mundos. Mesmo nas cidades, a produção artesanal era organizada em guildas – ou corporações de ofício, espécie de associações que defendiam os interesses dos artesãos e monopolizavam a produção. A carreira de um jovem artesão começava em regime de aprendizado, sob o protetorado de um mestre, que explorava sua mão de obra em troca de sua subsistência. Em geral, o aprendizado demorava anos e garantia aos mestres o monopólio da capacidade de produção e renda.
Os historiadores consideram que a Revolução Industrial teve várias fases. Há quem diga que na atualidade vivemos o limiar de uma nova revolução, que já seria a quarta – a Revolução do Conhecimento ou a Era do Conhecimento. Antes dela, a Segunda Revolução teria sido a proporcionada pela descoberta e uso maciço da eletricidade. Depois, no século passado, foi a vez da revolução causada pelo computador, as ciências da computação e a engenharia genética.
Por que E2A é um Modelo Mental?
Todo nosso conhecimento sobre o mundo depende da nossa habilidade de construir modelos dele.’ – Johnson-Laird, 1983.
Segundo o britânico Philip Johnson-Laird, professor de psicologia cognitiva da Princeton University, raciocinar envolve a construção de modelos mentais. As pessoas usam os dados disponíveis no seu entorno – premissas – para construir um modelo mental sobre tudo o que as cerca. Depois disso, fazem uso da linguagem para expressar seus modelos mentais.
Os estudos de psicologia cognitiva deram um salto nas últimas décadas, mas tiveram sua origem na antiguidade. Em seu livro República VII, Platão criou a famosa Alegoria da Caverna.
Platão pedia que se imaginasse que alguns prisioneiros viveram, desde o nascimento, em uma caverna com pouca luz, amarrados, de costas para a entrada. Tudo o que podiam ver era a sombra projetada na parede do fundo da caverna. As coisas que aconteciam atrás deles se transformavam em imagens distorcidas pela pouca luz, mas era só o que conheciam da vida e isso era o seu universo. Conversavam sobre as imagens, davam nomes às formas, imaginavam situações. Em uma situação inédita, um dos prisioneiros consegue se libertar e foge. Ao tomar contato com a realidade fora da caverna, fica muito surpreso e aturdido e volta para a caverna a fim de contar a novidade aos companheiros. No entanto, esses não são capazes de entender o que o primeiro falava e desacreditam do seu relato.
O exercício proposto por Platão exemplifica o poder da elaboração mental sobre tudo o mais que existe, inclusive a realidade. Aliás, debater o que seria a realidade é uma provocação saborosa que fazem os filósofos, até os dias de hoje.
A natureza não sabe que as folhas das árvores são da cor verde. Nem os animais. Muito menos as próprias plantas. Os seres humanos deram o nome para essa cor, assim como para tudo o que conhecem. De maneira geral, tudo o que conhecemos da vida tem nome e descrição baseados nas construções mentais que temos delas.
Esse tema parece ser distante do nosso cotidiano, mas não é. Outro psicólogo, Daniel Kahneman, desenvolveu (com Amos Tversky e outros) a Teoria da Perspectiva, o que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia de 2002. Em seu livro Rápido e Devagar, Kahneman revela uma série de estudos científicos que mostram sermos, na maior parte do tempo, governados por uma mente que funciona em modo quase automático.
Um dos estudos mais fantásticos é o experimento conduzido e descrito por Christopher Chabris e Daniel Simons em seu livro O gorila invisível (no final deste ensaio você encontrará um link para a página oficial do livro). Ver abaixo a reprodução que descreve o experimento, no livro de Kahneman:
Eles montaram um curta-metragem de duas equipes trocando passes de basquete, uma das equipes com camisetas brancas, a outra vestindo preto. Os espectadores do filme são instruídos a contar o número de passes feitos pelo time branco, ignorando os jogadores de preto. Essa tarefa é difícil e completamente absorvente. No meio do vídeo, uma mulher usando um traje de gorila aparece, atravessa a quadra, bate no peito e vai embora. O gorila fica à vista por nove segundos. Milhares de pessoas assistiram ao vídeo e cerca da metade delas não observou nada de incomum. É a tarefa de contar – e sobretudo a instrução de ignorar uma das equipes – que causa a cegueira. Ninguém que assiste ao vídeo sem a tarefa deixaria de ver o gorila. Ver e se orientar são funções automáticas do Sistema 1, mas elas dependem da alocação de alguma atenção ao estímulo relevante. Os autores notam que a observação mais notável em seu estudo é as pessoas acharem seus resultados muito surpreendentes. De fato, as pessoas que deixam de ver o gorila ficam inicialmente convictas de que ele não estava lá – não conseguem imaginar que deixaram de ver um evento tão chamativo. O estudo do gorila ilustra dois importantes fatos acerca de nossas mentes: podemos ficar cegos para o óbvio, e também somos cegos para nossa própria cegueira.
O experimento, e muitas outras partes do estudo de Kahneman, mostra que somos preparados para dar respostas rápidas para perguntas conhecidas (“saber que 2 + 2 = 4 ou de pensar em Paris quando a capital da França é mencionada”). Mas também somos capacitados a concentrar toda a nossa atenção em uma determinada atividade, se ela assim exigir (veja o experimento do gorila invisível).
Outros pesquisadores, Wind, Crook e Gunther (2006) identificaram a capacitação ou adestramento como outros fatores que estabelecem e fixam um modelo mental.
“(…) as pessoas, geralmente em seus trabalhos e atividades, entram em uma rotina que é difícil de interromper, mesmo quando as circunstâncias em torno dessas pessoas tenham trocado significativamente. ”
A aplicabilidade dos estudos sobre os modelos mentais abrange a neurociência, psicologia cognitiva, gestão do conhecimento, liderança e ciências da computação. Do ponto de vista fisiológico, os modelos mentais são fruto das sinapses, a comunicação existente entre os neurônios, no cérebro, entre neurotransmissores e neuroreceptores, que promovem os eventos elétricos formadores dos pensamentos. Em outras palavras, as sinapses constroem caminhos cerebrais, que nos fazem ter a mesma resposta (pensamento) quando submetidos aos mesmos estímulos.
Vários autores já se debruçaram sobre esses temas. Se quiser ler a respeito, consulte as fontes citadas no final do texto.
O criador da Teoria das Inteligências Múltiplas, Howard Gardner, listou uma série de frases que representam modelos mentais disseminados na sociedade, que se tornaram quase tão automáticos que a maioria das pessoas as repete sem perceber o fato de serem irreais ou sem sentido.
● Todos os homens são iguais!
● Não se pode confiar nas mulheres!
● Todos os políticos são iguais!
● O pouco com Deus é bastante!
● Isso não vai dar certo, aqui sempre foi assim!
● Não se mexe em time que está ganhando!
● Sou pobre, mas sou feliz!
● O importante é ganhar!
A ideia de uma solução automática para a necessidade das pessoas de obter o seu próprio sustento e o de sua família é altamente sedutora. Fica fácil explicar para as crianças de onde vem o sustento da família. E também o que cada um precisa fazer na sua vida, ou até o final do ano, ou mesmo no dia seguinte.
Veja abaixo mais alguns trechos do livro de Kahneman:
“Uma característica das atividades que exigem esforço é que elas interferem umas com as outras, motivo pelo qual é difícil ou impossível conduzir várias delas ao mesmo tempo. Você não consegue calcular o produto de 17 x 24 fazendo uma curva à esquerda no tráfego pesado, e certamente é melhor não tentar”.
“Nossa reconfortante convicção de que o mundo faz sentido repousa em um alicerce seguro: nossa capacidade quase ilimitada de ignorar nossa própria ignorância”.
“Um importante princípio: a confiança que as pessoas depositam em suas intuições não é um guia confiável de sua validade. Em outras palavras, não confie em ninguém – incluindo você mesmo – para lhe dizer o quanto você deve confiar no julgamento delas”.
“(…) cegueira induzida pela teoria: uma vez você tendo aceito uma teoria e a utilizado como ferramenta em seu pensamento, é extraordinariamente difícil notar suas falhas”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois da crise econômica de 2008 / 2009, o mundo experimentou outra crise global de desemprego. Segundo um levantamento que fizemos a partir dos dados do World Economic Outlook Database, do Fundo Monetário Internacional, perto de 90% dos 105 países avaliados experimentaram uma deterioração do nível de desemprego no ano de 2009 ou 2010, dependendo de quando foi que a crise atingiu suas economias. Expandindo essa pesquisa durante 5 anos, mais da metade dos países, mesmo os do G-20 ainda não tinham conseguido voltar aos índices de desemprego pré-crise. Veja os dados na tabela abaixo:
No entanto, você conhece bem sobre a crise do desemprego, através de notícias que chegam o tempo todo. O que talvez não seja tão conhecido é que diversos textos já foram publicados citando uma possível Era Pós-Industrial ou Era do Conhecimento. Há algumas décadas já se assistia à robotização do chamado chão de fábrica, mas, recentemente, as novas tecnologias chegaram aos escritórios destruindo a ilusão de que bastava uma formação em curso superior para estar imune ao desemprego. Veja abaixo a capa da revista The Economist, de janeiro de 2014:
De uma forma geral, a maioria das análises concorda que, em um futuro muito próximo, a economia não vai gerar empregos para todos os cidadãos. Elas citam fábricas que não precisam de operadores, carros que não precisam de motoristas, programas de computador que fazem diagnósticos mais precisos do que médicos bem treinados etc. Esse é o resultado da inovação permanente e da busca incessante por mais produtividade e melhores resultados.
Por outro lado, para as gerações mais novas, a ideia de uma vida devotada ao trabalho não parece sedutora. Os jovens viram seus pais dedicarem praticamente toda a sua vida adulta para a construção de um estilo de vida, para a educação dos filhos e a esperança de alguma reserva para enfrentar as despesas incertas da velhice. Não é exagero dizer que muitos pais de família vivem para o trabalho. Seguramente, seus filhos querem experimentar outro modelo para suas vidas.
Quando comecei a perceber um Modelo Mental E2A relutei em aceitar a sua existência. Afinal, sou parte e fruto de uma sociedade. Também fui condicionado como todos os demais. Felizmente, com o tempo, a realidade se impôs.
É oportuno revelar que eu não acho que o Modelo Mental E2A seja algo ruim. Na verdade, ele não é. Eu não seria louco de pregar menos educação, a desimportância do trabalho ou, ainda, a inutilidade da poupança para o futuro. O que desejo demonstrar, entretanto, é que, apesar de todos os avanços obtidos graças a esse roteiro, ele já não cumpre o mesmo papel de trazer uma tranquilidade mínima e segurança razoável.
Observe que não usei acima as palavras escola, emprego e aposentadoria. Essas noções precisam ser, urgente e profundamente, reformuladas, sob pena de condenarmos as futuras gerações a um modelo mental que funcionará cada vez menos.
Segundo minhas pesquisas, especialistas em educação de diversos países concordam com a necessidade de se repensar os modelos educacionais existentes. Se, por muitas décadas, fazia todo sentido preparar os filhos para alcançar sucesso na disputa severa pelo mercado de trabalho, hoje há que se acrescentar a probabilidade muito significativa de que não haja trabalho suficiente para todos.
Na outra ponta do modelo mental, é justo que todos aqueles que um dia contribuíram financeiramente com o sistema oficial de previdência social queiram receber os benefícios contratados pelo modelo. Mas o melhor aconselhamento financeiro disponível recomenda que se busque fontes adicionais de financiamento para uma fase da vida quando seja mais difícil obter trabalho e renda.
A soma de tudo isso determina um olhar diferenciado para o período da vida onde se tem saúde e competências suficientes para trabalhar. A condição de empregado não é ruim. Uma das principais lições que as escolas de empreendedorismo oferecem a seus alunos é a de que o cliente pode ser muito mais severo do que um chefe ou um patrão. O que fazer então?
O objetivo deste ensaio é compartilhar a identificação de um Modelo Mental E2A. Acredito firmemente na capacidade humana de encontrar caminhos. O MM E2A é um excelente exemplo de solução bem-sucedida que vigorou por mais de um século. Apesar disso, ele tem demonstrado esgotamento diante da evolução tecnológica e dos novos paradigmas sociais. Conseguir perceber essa realidade é um obstáculo que precisa ser vencido. Confio que somente assim seremos capazes de encontrar alternativas.
Minha confiança, mais do que esperança, é que, depois de perceber a existência deste modelo mental, passemos a trabalhar para a criação de novas realidades. O trabalho colaborativo é uma delas, e vem se desenvolvendo no mundo inteiro, criando e transformando relações sociais e econômicas. Espaços de “coworking”, incubadoras de empresas e soluções pela internet são apenas alguns exemplos de tudo quanto surge em grande quantidade nas principais cidades.
Do ponto de vista biológico, a manutenção da vida não depende da existência de um emprego, mas do resultado do trabalho. Mesmo os animais e plantas se movimentam em direção às fontes de sustento. Talvez a solução para nosso desafio seja ajustar nossa forma de pensar, com base na observação da natureza.
Um caminho seria voltarmos à época em que o MM E2A ainda não existia. Os indivíduos não tinham um roteiro pré-determinado e buscavam criar suas próprias alternativas. A incerteza era muito maior. Por outro lado, a pessoa acordava sem ilusões quanto aos seus desafios.
Outro caminho seria estar pronto, sempre. Seria reunir competências verdadeiramente duráveis e úteis para as outras pessoas. Pode ser que a obtenção de renda dos profissionais possa ser medido, a cada transação, pela efetiva entrega de valor.
Mas não acho que sozinho eu possa apontar todas as alternativas que surgem depois dessas provocações. A possibilidade de construir novos modelos para “obter trabalho e renda hoje” é um propósito para o qual convido a todos.
Agora você sabe que existe o Modelo Mental E2A. E, provavelmente, você está condicionado por ele, assim como a maioria da população do mundo. Mas, deixe-me propor um exercício. Imagine como seria sua vida se, por alguma razão, não existisse mais emprego no mundo. O que você faria?
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